quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Ele alcançou a liberdade.
Só ele, corpo e mente.
No quarto, um vazio. Cama, guarda-roupa, coisas simples e poucas.
Nada de enfeites, impessoal, sem cor e sem livros à mostra.
As roupas foram de outros, roupas tidas como usadas por demais, boas de descanso
Para ele, boas como se fossem novas.
Só lavava uma bermuda quando já estava visualmente imunda, manchada de chão de praça, 
Um buraco pode ser costurado.
Não lavava o cabelo, 
Não tinha pente nem escova,
Sabonete barato com cheiro forte.
Ele se limpou, se libertou.
Fazia a barba quando queria, quando não, às vezes irreconhecível ficava.
Olhem que mendigo tão bonito!
Usava cueca quando tinha, se não, usava minha calcinha.
Lia, fumava, lia, escrevia, fumava e fumava,
Cigarro barato, restos de poeira, usa guardanapo de bar ou o que for
Hábitos de quem fuma há muito tempo, dentes amarelos, olhos vermelhos e mãos delicadas,
Pele branca e cueca folgada.
Às vezes ele ficava tão sério e introspectivo, tão em si...
Escrevia alguma coisa num diário, diário que ninguém lia, tenho uma página dele aqui em casa, foi um presente.
Ele confiava em todos e deixava o diário sobre a cama.
Andava a pé para poder comprar cigarros.
Andava a pé para fazer parte dos outros.
Do tempo que estive com ele, conheci essas coisas, feito cama e livro.
Conheci de longe homens da praça, flanelinhas da rua, a dona de um bar – uma que é gorda e usa short curto com camisa de supermercado,
Um no bar disse até que me via passar.
Talvez eles me conhecessem, talvez fizessem parte de mim.
À noite alguém ia lá fumar.
Um doido, outro doido, um que tinha fome, outro que tinha carência. 
Acho que ele não tinha muita paciência, mas achava engraçado, interessante talvez.
Teve doença, teve tristeza, teve vergonha
É frágil. Posso ver que é frágil pelas mãos e lábios finos
De um jeito ou de outro é rei.

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